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O poder dos heróis na formação da criança. (Uma opinião sobre os efeitos das subversões do cinema)


A inocência da criança

Recentemente, estive no cinema para assistir ao lançamento do filme “Divertida Mente”. Além da curiosidade, levei um olhar científico sobre as informações que recebi sobre a inteligência do seu argumento. Tão logo apagaram as luzes, exibiram o trailer do próximo lançamento cinematográfico para o ano de 2016, “Batman vs Superman – A origem da justiça”.


Obviamente, a sala do cinema estava tomada por crianças à espera do “Divertida Mente”, mas naquele momento já estavam nitidamente eufóricas com seus olhinhos arregalados e suas boquinhas abertas diante do referido trailer. Contei algumas dezenas de gritos e exclamações de admiração diante das dezenas de cenas de extrema violência com estampidos ensurdecedores que levavam aquelas mentes ao êxtase. Como mãe, psicóloga e educadora, eu me senti muito preocupada com o fascínio que os violentos efeitos especiais exerceram sobre elas e vou ficar ainda mais preocupada se, de fato, o filme mostrar rivalidade entre os heróis mencionados.


Super-heróis - Você sabe como eles surgiram? Há aproximadamente dez anos, eu e meus alunos realizamos uma exposição de trabalhos do atelier de desenho intitulada “A história das histórias em quadrinhos”. O estudo da linha do tempo marcando a criação de cada personagem com a descrição dos seus “superpoderes” nos mostrou interessantes particularidades sobre as circunstâncias em que foram criados, tanto que decidimos fazer constar pequenas descrições junto a cada desenho para que o público conhecesse a íntima ligação dessa arte com a história da humanidade.


Contextualizando, o mundo moderno passou por duas grandes guerras e durante os vários anos que as antecederam bem como os anos que se seguiram depois de seus términos, houve registros de flagelos de todas as ordens enfrentados pelos países envolvidos. O enfraquecimento e o empobrecimento de diversas sociedades, assim como o sentimento de vulnerabilidade geraram grandes prejuízos sociais e econômicos além do desemprego, do crescimento da criminalidade e da insegurança.


Como estratégia dos exércitos inimigos, foram constantes os bombardeios sobre celeiros e plantações com a intenção de inviabilizar a sobrevivência das populações. Há uma referência de que a criação do personagem Popeye foi feita num daqueles períodos de escassez de alimentos para estimular o consumo de espinafre pelas crianças, única fonte de ferro e vitaminas disponível em determinada região assolada pela guerra.


As guerras também exerceram graves influências sobre o estado emocional das pessoas, fazendo surgirem adoecimentos psíquicos e grandes índices de suicídios. Segundo algumas fontes, em meio àqueles caos, os artistas começaram a criar personagens que representavam o papel de salvadores da humanidade. Seres imortais vindos de outros planetas e outros daqui da Terra mesmo, de carne e osso, mas fortes, inteligentes e invencíveis que chegavam como verdadeiros pais amorosos e protetores dos quais os filhos das guerras tanto necessitavam. Tudo era criado para amenizar as angústias, os medos e as tristeza, e funcionava porque as histórias foram muito bem recebidas pelo mundo inteiro.


Foi nesse tipo de cenário que cada personagem “nascia” com um superpoder diferente, mas todos tinham o mesmo ideal de paz, de ordem e justiça. Um dos heróis mais marcantes foi o Superman que recebeu a incumbência de proteger o planeta que o recebera e que jamais morreu mesmo sendo vulnerável a um mineral também caído do espaço, chamado “criptonita”. A intenção dos criadores talvez tenha sido a de dizer que apesar do perigo, sobreviveríamos.


Em vista do exposto, voltamos a falar sobre o próximo lançamento cinematográfico, Batman Vs Superman – A origem da justiça, em que Batman e Superman lutam para decidirem qual dos dois é mais necessário à humanidade sem saberem que enquanto estão envolvidos nessa contenda – de argumento questionável em minha opinião, surge outro grande perigo para o planeta.


Pergunto: Como assim? Dois heróis e amigos vão brigar por poder? Nessa hora imagino a cena dos criadores de Batman e Superman se revirando nos túmulos ao verem os estragos que hoje decidem fazer sobre a personalidade de tais heróis, antes sábios, justos e sensatos tornados agora em seres vaidosos com grandes porções de imbecilidade, brigando para verem quem é mais forte e importante (e lindo, talvez?). A liga da justiça onde todos os heróis lutam juntos pelo bem comum voltou para o espaço, concluo.


Outro questionamento que faço diante de tudo isso é: Por que heróis que foram criados como grandes modelos de força, coragem, sabedoria, ética e justiça hoje seriam reduzidos a brigões contaminados pela vaidade, intolerância e prepotência. Brigar por poder? Até tu, Clark? Como ficaria a mensagem intrínseca facilmente assimilável pela cabeça das crianças?


Alguém poderia dizer que pode ser reflexo da evolução para mostrar que heróis não são perfeitos, por exemplo. Convenhamos isso é contraditório. Os heróis até mesmo no senso comum são considerados seres amigáveis, protetores da paz, criados como ícones de sabedoria e força, e por isso funcionam como modelos ou referências para o cultivo de bons valores importantes para a organização da sociedade, para o cumprimento dos papéis sociais na observância aos direitos e deveres, à ordem, à ética e à justiça. Destruir a imagem positiva de um herói é o mesmo que dizer às crianças que depois que o caráter de alguém é construído baseado em grandes valores, pode degenerar e se corromper.


A fantasia é um dos importantes fatores envolvidos durante o desenvolvimento infantil. Lev Vygotsky, grande cientista bielorrusso, criou o conceito de que o intelecto das crianças se desenvolve em função das interações sociais e nas condições de vida. Ele se referiu ao contexto perceptual e aos objetos nele contidos, os quais determinam a ação da criança sobre o espaço e que é através da imaginação que a criança consegue suportar as restrições impostas pelo ambiente. Ao se posicionar, ela aprende a transformar o significado dos objetos e dar sentidos e significados ao mundo. Nesse interim, ela constrói a própria personalidade.


Outro reforço desse argumento está no arquétipo do herói que segundo Jung está presente em nossas vidas desde a infância. Os arquétipos são conjuntos de “imagens primordiais” cuja origem está na repetição progressiva de uma mesma experiência durante várias gerações, as quais vão sendo armazenadas formando o chamado inconsciente coletivo.


Jung, precursor da psicologia analítica, afirma que o arquétipo do herói está ativo quando a pessoa se fortalece com o desafio, não suporta a injustiça e é proativa nas suas respostas às crises ou às oportunidades de crescimento. O herói é aquele que não teme as dificuldades e, sim, que as aproveita para provar seu valor e capacidade, para superar seus limites e com isso tenta melhorar o mundo em diversos aspectos tornando-o um lugar melhor e mais aprazível.


Enfim, quando diante das crianças depreciamos a imagem de um herói que no aspecto psicológico ofereceria uma base para a formação de sua capacidade de discernir entre o bem e o mal, arrancamos dela a fantasia que serviria como referencial de qualidades importantes para a formação de sua personalidade.


Num passado recente, os super-heróis nos “salvaram” dos nossos medos e sensações de impotência e fragilidade. Quem agora salvará as crianças de nossas irresponsabilidades, principalmente essas carregadas de interesses econômicos, pouco preocupadas com as consequências? Sei que a evolução do homem é marcada por mudanças e transformações no mundo das ideias, mas é preciso termos cuidado com os efeitos para que não resultem em estragos que nos tornem reféns.


É importante refletirmos criticamente sobre o que está por trás das mensagens que desfilam livremente, principalmente essas que vêm na forma de "lazer e entretenimento". Se permitirmos que as crianças sejam negativamente influenciadas por subversões como essa, não haverá heróis que as salvem senão, nós mesmos. Tomara que os autores do filme sejam cuidadosos e que os pais estejam atentos!

(Esse texto não tem intenção científica, representa apenas o ponto de vista da autora).

Ilustração: http://www.ufunk.net/en/artistes/super-heroes-families/


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